quinta-feira, 14 de novembro de 2013

PARECER TÉCNICO SOBRE A QUESTÃO DO CONCURSO PÚBLICO, ELABORADO PELA ASSESSORIA JURÍDICA DE ELIANE SINHASIQUE

A vereadora Eliane Sinhasique solicitou à sua assessoria jurídica um parecer sobre a questão da exigência de experiência, para admissão nos cargos referentes aos editais de concurso público n° 001, 002 e 003/ 2013.

A questão tem preocupado e exasperado as pessoas que pretendem participar do concurso. O parecer é técnico e embasado estritamente no que versa a Lei. 

Acompanhe o parecer dos advogados sobre o caso:


PARECER JURÍDICO N. ___/2013                                        Rio Branco – AC, 6 de novembro de 2013.


1.      Relatório
Trata-se de consulta formulada pela Vereadora Eliane Sinhasique, de Rio Branco – AC, a respeito da legalidade da exigência de experiência prévia prevista em edital de concurso público.
Relata a Vereadora que a Secretaria de Saúde do Estado do Acre fez publicar os editais de concurso público nos 001, 002 e 003, todos de 2013. O primeiro visa a contratação de profissionais médicos para diversas áreas; o segundo visa a contratação de profissionais de nível médio, técnico e superior tais como dentistas, enfermeiros, etc.; e o terceiro visa a contratação de profissionais de nível superior tais como analista de sistema, administrador, contador, economista, engenheiro, etc..
Dos citados editais consta a exigência de que o candidato, para fins de posse, deve comprovar o mínimo de 6 (seis) meses de experiência em “cargo” anterior, seja no serviço público ou privado, requisito esse objeto da presente consulta.
É o simplificado relatório, passo a opinar.
2.      Da Consulta
Inicialmente friso que a exigência de concurso público para preenchimento de vagas na administração pública decorre do comando constitucional insculpido no artigo 37, II, da Carda Magna. Senão vejamos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
...
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Negrito nosso
Do citado dispositivo ressai a conclusão de que, existindo vaga a ser preenchida no serviço público, é dever do administrador realizar concurso público para seu preenchimento, com a ressalva do preenchimento dos cargos em comissão, que são de livre nomeação e exoneração por parte do administrador.
Fixada essa premissa, analiso a exigência constante nos editais de concurso público nos 001, 002 e 003, da Secretaria de Gestão Administrativa e da Secretaria de Saúde do Estado do Acre, a respeito da exigência de experiência mínima para a posse nos cargos objeto dos concursos.
A exigência de concurso público não foi inserida na Constituição Federal por mera liberalidade do Constituinte. Na verdade a exigência do concurso público busca selecionar como habilitado à prestação do serviço o melhor candidato, o que preencha mais requisitos, o que seja melhor qualificado. Tudo na esteira dos princípios regentes da Administração, quais sejam, o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No entanto, mesmo diante da busca pelo melhor candidato, o edital do concurso público deve fiel obediência às leis pátrias (legalidade). Não pode o edital ser editado em desacordo com a legislação a respeito da matéria. Essa correlação entre a lei e o edital deve existir em razão do fato de que o edital do concurso vincula não só o candidato inscrito, como a própria Administração.
No específico caso da exigência de experiência prévia, deve haver fundamentação e previsão legal do requisito eis que, ademais dos princípios que norteiam a Administração Pública, deve-se levar em conta o princípio da razoabilidade na sua fixação. O requisito não pode constar no edital ao livre alvedrio do administrador público.
Analisando o objeto da consulta no âmbito dos Tribunais, percebe-se uma clara dicotomia de posições.
O Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento claro a respeito da legalidade na exigência de experiência.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO. EMPRESA PÚBLICA. EXIGÊNCIA MÍNIMA DE CINCO ANOS DE EXPERIÊNCIA, CONTIDA NO EDITAL DO CERTAME. LEGALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. Recurso especial contra acórdão segundo o qual: a) “encontra-se prevista, expressamente, no Edital do Concurso, a  exigência de, no mínimo, cinco anos de experiência profissional como requisito para que o candidato seja convocado para admissão, além da habilitação em provas objetivas e de conhecimento”; b) “No caso dos autos, mesmo antes das provas escritas, o candidato já tinha conhecimento de que haveria de satisfazer todas as exigências do Edital, para que fosse considerado aprovado e viesse a ser convocado”; c) “inexiste comprovação de malferimento ao princípio da igualdade, não havendo indícios de discriminação, privilégios, distinção de tratamento ou arbitrariedades nos itens e subitens do Edital, casos que ensejariam a interferência do Judiciário”.
2. Inexiste previsão legal que impeça se estabelecer, quando da realização de concurso com vistas à seleção de candidatos capacitados ao preenchimento de vaga oferecida, determinados requisitos compatíveis com a natureza e complexidade das atividades inerentes ao cargo a ser ocupado. Definir o perfil do candidato para ingresso em quadro funcional, de acordo com as atividades que serão exercidas pelo profissional, constitui prática rotineira adotada por qualquer pessoa jurídica que vá realizar uma contratação nos moldes da legislação trabalhista.
3. É absolutamente razoável estabelecer-se um prazo mínimo de experiência no exercício das atividades a serem desenvolvidas pelo candidato aprovado, conquanto que não se fixem critérios relativos a aspectos pessoais que dificultem o acesso ao emprego público, como discriminação de condições estritamente pessoais como raça, cor, credo religioso ou político. O empregador tem o direito de estipular condições e requisitos que entender necessários, por se referirem diretamente à natureza e à complexidade das atividades inerentes ao cargo.
4. Ocorrência de previsão expressa no edital do concurso acerca da exigência de, no mínimo, cinco anos de experiência profissional para que o candidato seja convocado para admissão, além da habilitação em provas objetivas e de conhecimento.
5. “A Administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que o faça com igualdade para todos os candidatos, tendo, ainda, o poder de, a todo tempo, alterar as condições e requisitos de admissão dos concorrentes para melhor atendimento do interesse público” (Hely Lopes Meirelles, in “Direito Administrativo Brasileiro”, 12ª ed, págs. 369/370).
6. Precedentes desta Corte Superior.
7. Recurso não-provido. (REsp 801.982/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 14/06/2007, p. 259)
Os Tribunais Regionais Federais perfilham do entendimento do STJ.
Em contraponto ao posicionamento desses Tribunais, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, entende de maneira diversa.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL. NECESSIDADE DE LEI. PRECEDENTES.
1. É irrelevante para o desate da questão o objeto da investidura, quando em debate a violação direta do art. 37, I, da Constituição Federal.
2. A exigência de experiência profissional prevista apenas em edital importa em ofensa constitucional. Precedentes.
3. A investidura em cargo ou emprego das empresas públicas e sociedades de economia mista, regidas pela CLT, nos termos do art. 173, § 1º, da Constituição Federal, submete-se à regra constitucional do art. 37, II. 4. Agravo regimental improvido.
(RE 558833 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-06 PP-01660)
Negrito nosso
No julgamento, frisou a Ministra Ellen Gracie, Relatora:
“Com efeito, como foi afirmado na decisão agravada, viola a Constituição Federal a exigência de experiência profissional prevista apenas em edital de concurso, sem que haja prévia lei formal ou razoabilidade na sua fixação objetivando atender às especificidades exigidas para o exercício das atividades administrativas a serem desempenhadas.”
A administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] entende que os preceitos discriminatórios constantes do edital devem ter origem na lei, e não na livre vontade do Administrador:
“Embora o objetivo do constituinte seja o de proibir o limite de idade e outros tipos de discriminação, a proibição não pode ser interpretada de modo absoluto; primeiro, porque o artigo 37, I, deixa para a lei ordinária a fixação dos requisitos de acesso aos cargos, empregos e funções; segundo, porque, para determinados tipos de cargo, seria inconcebível a inexistência de uma limitação, quer em relação a sexo, quer em relação a idade. (...) Como diz Celso Antônio Bandeira de Mello (1978: 24), ‘as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida’. E acrescenta que, ‘por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas e injustificadas’.
...
Cabe ao legislador, portanto, estabelecer critérios para admissão com obediência ao princípio da isonomia, só estabelecendo exigências específicas quando necessária em razão das atribuições a serem exercidas.”
Negritos originais
Fixadas essas premissas, para o subscritor resta latente a possibilidade de que a exigência de experiência profissional tem vez, tão somente, nos casos em que exista lei a prevendo.
No caso dos servidores públicos da Secretaria de Saúde do Estado do Acre foi editada a Lei Complementar Estadual nº 84/2000 que estipula o Plano de Carreira, Cargos e Remuneração – PCCR de seus servidores. Referida lei, no parágrafo único do artigo 5º dispõe:
Art. 5° O quantitativo de cargos, com suas denominações, dimensionado para o funcionamento da SESSACRE, é o definido no Anexo I desta lei.
Parágrafo único. A descrição dos cargos, inserta no Anexo I, definirá os aspectos técnicos principais das suas atribuições, de modo amplo, e indicará os pré-requisitos para ingresso, jornada, vencimento-base, que constitui a totalidade do Quadro de Pessoal, devendo a lotação dos mesmos ser estabelecida por portaria da Secretaria de Estado de Saúde e Saneamento.
No anexo II da lei são previstos os cargos e os requisitos para o ingresso do candidato. Para fim de análise, farei um comparativo entre os requisitos da lei e os do edital.
Segue comparativo dos cargos a serem preenchidos pelo concurso público nº 001/SGA/SESACRE e a LCE 84/2000, destinado aos médicos.


Portanto, entendo legítima a adoção do critério da experiência para os cargos objeto do edital nº 001/SGA/SESACRE uma vez que a Lei Complementar Estadual nº 84/2000 prevê expressamente o requisito de exigência de experiência para preenchimento das vagas.
Veja o comparativo com relação ao edital nº 002/SGA/SESACRE:

Portanto, também nesse edital entendo legítima a adoção do critério da experiência para os cargos objeto do edital nº 002/SGA/SESACRE uma vez que a Lei Complementar Estadual nº 84/2000 prevê expressamente o requisito de exigência de experiência para preenchimento dos cargos.
Por fim, segue o comparativo dos cargos a serem preenchidos em decorrência do edital de concurso público nº 003/SGA/SESACRE e a LCE 84/2000, destinado aos cargos administrativos.


Em decorrência da previsão legal, também legítima a exigência de experiência profissional para os cargos do edital nº 003/SGA/SESACRE.
Com isso, apesar de minhas convicções pessoais a respeito do tema, pois entendo que as exigências previstas na LC 84/2000 atentam contra o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, tem-se que possível a exigência de experiência profissional para a posse nos cargos mencionados nos editais 001, 002 e 003 das Secretarias de Gestão Administrativa e de Saúde do Estado do Acre, visto que em conformidade com o que dispõe a Lei Complementar Estadual nº 84/2000.
É o parecer.
O presente parecer foi elaborado em razão de consulta formulada por edil da Câmara de Vereadores da Comarca de Rio Branco – AC e expressa, exclusivamente, a opinião de seu emitente.



Armando Dantas do Nascimento Júnior
OAB/AC 3.102